Os dados precisam ser actualizados, mas a análise ao problema da droga continua actual...
Esta foi a minha intervenção inicial no debate solicitado pelo PS.
Avaliação do Plano Regional de Luta Contra a Droga 2001-2004
Intervenção inicial do Deputado Duarte Gouveia
6 de Julho de 2006
Sr. Presidente, Sr.ª Secretária Regional dos Assuntos Sociais, Sr.as e Sr.s deputados,
O Partido Socialista solicitou este debate sobre as toxicodependências e em especial sobre a Avaliação do Plano Regional de Luta Contra a Droga 2001-2004 por ser dever desta Assembleia avaliar a acção governativa numa matéria com o impacto social gravíssimo como é o problema da droga. As drogas provocam crime, doença, violência e morte, pelo que nenhum partido ou governo pode menosprezar a necessidade de agir no combate à droga.
Este relatório de avaliação, elaborado pelo Serviço Regional de Prevenção da Toxicodependência, foi concluído em Abril de 2005, mas nunca teve destaque público, esteve praticamente escondido pelo governo regional, provavelmente pela gravidade da situação que revela. Hoje, com esta iniciativa do Partido Socialista, temos a possibilidade de o tornar público e debater, ainda que limitados nas intervenções e nas interpelações pelo regimento atrofiante imposto pelo PSD.
No passado dia 26 de Junho, Dia Internacional Contra o Abuso e Tráfico Ilícito de Drogas, o Departamento de Drogas e Crime das Nações Unidas (UNOCD http://www.unodc.org/ ) apresentou o seu relatório anual. Numa perspectiva global e de longo prazo, o problema da droga a nível global tem tido um crescimento contido, sobretudo devido à diminuição da produção e consumo de ópio na Ásia e com a diminuição em 28% das áreas plantadas com coca nos últimos 5 anos, nos países dos Andes (Colômbia, Peru e Bolívia).
Estas notícias positivas são simultaneamente contrariadas com o atingir na Europa de níveis alarmantes no que respeita ao consumo de cocaína, com o recrudescimento da produção de heroína no Afeganistão e com o crescimento globalizado do consumo e produção da cannabis, agora mais poderosa com a manipulação e em novos formatos de consumo.
Existirão no mundo 25 milhões de pessoas com problemas graves de uso de drogas, 0,6% da população mundial entre os 15 e os 64 anos (População mundial 6389 milhões; entre 15 e 64 anos 4102 milhões).
Num mundo em que 28% da população consome tabaco, 4% consome cannabis e 1% consome uma combinação cocaína, anfetaminas e opiácios, dificilmente se poderá pensar que as toxicodependências são um problema controlado.
Vivemos num mundo globalizado, ou seja, um mundo em que o que se faz numa zona do globo pode afectar todo o globo.
Vivemos num mundo em que 44% da população mundial (2800 milhões de pessoas) vivem com menos de 2€ por dia.
Os agricultores europeus recebem, em subsídios comunitários, 2€ por dia por cada cabeça de gado que possuem.
Como podem competir neste mundo globalizado os agricultores famintos dos países produtores de droga?
Que moral tem o mundo ocidental para lhes pedir que não produzam droga, se na Europa e nos Estados Unidos existe mercado para a droga que podem produzir a baixo custo e com elevado valor no mercado.
A Europa não pode deixar de assumir as suas responsabilidades nas opções políticas globais que assume. Não apoiar os agricultores europeus tem um custo, apoiá-los também tem.
O consumo de cocaína atingiu na Europa um nível alarmante. Mas, o combate ao tráfico nunca foi tão intenso e tão eficaz. Em 2005 foram apreendidas na Europa 100 toneladas e Portugal, com 18 083 quilos e 231 gramas, foi o terceiro país em termos de apreensão de droga, atrás da Espanha e da Holanda.
O aumento de eficácia das autoridades policiais portuguesas tem sido notável e digno de louvor.
Portugal e Espanha são países de topo na apreensão de droga, nomeadamente Cocaína, devido à sua situação geográfica entre a América do Sul e a Europa. Mas se a Madeira está na rota do tráfico internacional, isso não significa que seja neste arquipélago a principal placa giratória, ou pelo menos, não em terra.
O arquipélago de Cabo Verde, com as suas 10 ilhas, a sua extensa costa com baias abrigadas, uma zona económica exclusiva sete vezes superior à Madeira, menos meios de combate ao tráfico e maiores carências económicas, faz deste arquipélago vizinho o principal ponto de transferência intercontinental de droga no Atlântico. Consequência disso é que metade dos estrangeiros detidos em Portugal por tráfico de droga é de origem Cabo-Verdiana.
A droga apreendida na Madeira em 2005 foi de apenas 38 quilos 295 gramas, vindo para a Madeira maioritariamente por via aérea. Mas demonstra-se que a Madeira se encontra a jusante na rede de distribuição sobretudo pelo preço elevado, que na região é 5 a 8 vezes superior o que se constata no território continental, e por ser droga de baixa pureza, sintoma que teve maior número de intermediários. Também no que respeita à droga a Madeira é ultraperiférica.
Ser uma ilha e ter uma dimensão populacional relativamente reduzida também tem algumas vantagens que há que saber tirar partido no âmbito do combate às toxicodependências.
O relatório de Avaliação do Plano Regional de Luta Contra a Droga 2001-2004 não se refere ao tráfico, uma vez que essa é uma competência da República e não da Região.
O que o relatório deveria referir e não o faz é em relação ao número de consumidores de drogas na Região.
Devia fazê-lo, porque sendo o primeiro objectivo do Plano o “reduzir o número de novos consumidores e a procura de droga” é naturalmente necessário quantificar.
Em vez de estimar o número de toxicodependentes com base na informação existente, oculta a informação dizendo não ser possível quantificar. É falso! O próprio relatório apresenta informação suficiente para ter estimativas razoáveis.
Desde logo, com base no Inquérito Nacional ao Consumo de Substâncias Psicoactivas na População Portuguesa, realizado em 2001 pela Universidade Nova de Lisboa para o Instituto da Droga e da Toxicodependência, é possível estimar a existência na Região de 11 000 consumidores de Cannabis, 1400 consumidores de Cocaína e Ecstasy e 960 de Heroína.
É sabido que os consumidores na Madeira são maioritariamente consumidores de diversas drogas, não só devido à escassez no mercado, como devido ao elevado preço, pelo que este número de consumidores destas drogas não se somam, mas combinam-se.
É também sabido que o número de toxicodependentes que procuram os centros de atendimentos é cerca de um quarto do número total de toxicodependentes.
Tendo procurado o Centro de Santiago, entre 2000 e 2004, 1054 novos utentes, temos, logo aí, uma estimativa de 4200 toxicodependentes na Região, sendo certo, que os consumidores exclusivamente de cannabis dificilmente procuram auxílio no Centro de Santiago.
A possibilidade de estimar o número de toxicodependentes é assumida nas conclusões do relatório de 2004 do Centro de Santiago, página 63, onde, relativamente ao Projecto Manus – Equipa de Rua, e naturalmente no que respeita aos consumidores com drogas injectáveis, se referencia a estimativa de 3000 toxicodependentes com base na fórmula do Instituto da Droga e da Toxicodependência.
Esta estimativa não é transposta para o Relatório de Avaliação 2001-2004, preferindo o caminho do obscurantismo e alegada ausência de dados.
A caracterização dos utentes do Centro de Santiago apresentada neste relatório permitem concluir muito mais. Os utentes do Centro de Santiago dirigem-se a este serviço apenas 6 a 12 anos após terem iniciado o consumo, ou seja, apenas após estes consumos passarem a pesar significativamente nas suas vidas.
Isto significa, que os toxicodependentes que hoje estão a recorrer aos serviços do Centro de Santiago são os que iniciaram o consumo há alguns anos, no tempo em que o Presidente do Governo Regional dizia que não havia droga na Madeira. Todos os que iniciaram os consumos mais recentemente ainda não chegaram à fase de pedir ajuda.
A Madeira acordou muito tarde para o problema da droga, fruto da sistemática tentativa do Governo Regional de esconder tudo o que possam ser má propaganda. É um comportamento típico dos regimes totalitários que necessitam da propaganda constante para a sobrevivência do regime.
O muito provável aumento de novos utentes ano após ano coloca sérios desafios no que respeita à capacidade de resposta dos serviços, sabendo que as actuais instalações e recursos humanos são já insuficientes para a procura actual.
Por 7 vezes neste relatório é dito que faltam recursos humanos e espaço físico para dar resposta às solicitações actualmente existentes.
A caracterização dos utentes do Centro de Santiago demonstra que existem factores de risco acrescido tais como o abandono escolar, como se demonstra pela baixa escolaridade dos toxicodependentes, e a existência de pais com problemas de alcoolismo.
Constatando que um terço dos utentes, têm eles próprios filhos, os factores de risco são naturalmente acrescidos para estas crianças, criando uma situação dramática de exclusão social.
De acordo com o Inquérito Nacional ao Consumo de 2001, a Madeira tem uma taxa de prevalência de consumos de 8,6% na Madeira, o que está acima da média nacional que é 7,8%.
Mas ainda mais preocupante é a taxa de continuidade na Madeira para a cocaína e heroína. Entre os que já consumiram alguma vez na vida estas duas drogas, os que continuam a consumi-las na Madeira são cerca de 70%, enquanto que a média nacional de manutenção do consumo é de 30%.
A implementação do Projecto Manus / Equipa de Rua é um caso de sucesso na estratégia de minimizar os riscos e os danos. Este projecto tem de ser incentivado e dotado dos necessários meios financeiros, humanos e logísticos.
A actuação das equipas de rua deverá estender-se a toda a região e não limitar-se aos concelhos da área metropolitana.
Aproximar os serviços de saúde dos toxicodependentes é a melhor forma de os motivar ao tratamento, em vez de os relegar para ambientes degradados que em vez de promover o tratamento, promovem a exclusão.
É necessário combater as opiniões destrutivas que persistem na sociedade que consideram que a troca de seringas promove o consumo. A troca de seringas não afecta o consumo, apenas minora os riscos e permite a técnicos devidamente preparados conhecerem muito melhor os utentes e actuar de forma mais eficaz. Por exemplo, identificando a necessidade de adicionar ao kit o ácido cítrico e um recipiente adequado a um consumo com menos riscos.
Um dos prováveis motivos do sucesso do programa de troca de seringas é a utilização de seringas com melhor aproveitamento do injectável. Esse “benefício” percepcionado pelos toxicodependentes levou-os a adoptar um comportamento com menores riscos e a aproximá-los dos profissionais de saúde.
É seguindo esta mesma linha, que o Partido Socialista defende a criação na região de salas de injecção assistida, de preferência em estruturas móveis. Estes instrumentos de redução de risco, tal como a troca de seringas, não têm como objectivo fomentar o consumo, mas aproximar os toxicodependentes dos cuidados de saúde e do tratamento. A actual situação de consumo em qualquer lado, próximo a crianças, é muito mais grave do que a utilização de espaços próprios, limpos, seguros e com o apoio de pessoal que promove a recuperação e não a degradação.
As salas de injecção assistida estão previstas na lei desde 2001 e só agora vão avançar em Lisboa e no Porto, com a concordância das Câmaras Municipais, que relembro são geridas pelo PSD em Lisboa e por uma coligação PSD-CDS/PP no Porto.
O PS defende que também na Madeira se tem tudo a ganhar com a instalação destas unidades de saúde.
No que respeita ao tratamento é necessário aumentar a capacidade do centro de internamento, retomar o Centro de Dia, criar os apartamentos terapêuticos para a fase de transição para a vida activa e criar na Região uma comunidade terapêutica.
No que respeita à comunidade terapêutica, é particularmente grave e repulsa diversas vezes manifestada pela Sr.ª Secretária por este instrumento de recuperação. Confesso não entender os argumentos.
Não é por falta de procura ou inadequação do serviço prestado, uma vez que a Região apoiou a utilização de comunidades terapêuticas no Continente a sete dezenas de utentes nos quatro anos a que respeita este plano. Apoiou também a deslocação de 9 dezenas de familiares em visitas a estes utentes no continente.
Se o problema é a percentagem de sucesso, então é necessário comparar e questionar o sucesso de outros programas de reinserção social com desempenho equivalente como o “Vida e Trabalho”. A dependência psicológica da droga leva a recaídas. Isso não pode significar que não se aposte nas poucas soluções possíveis.
A criação de uma comunidade terapêutica na Madeira com uma lógica de actuação complementar às existentes na rede nacional faz todo o sentido e tem largo apoio político na Região.
Finalmente, falta analisar a prevenção.
O Governo Regional aponta para a prevenção como o elemento principal da sua acção no combate à toxicodependência. 48% das páginas deste relatório são sobre as acções de prevenção. Avaliemos então o trabalho desenvolvido.
Nos estudos realizados nas escolas e que são reportados neste relatório conclui-se que da população escolar inquirida 7 a 8% já tinha experimentado alguma droga e que 5% não identificava a droga como algo prejudicial para a saúde.
Perante estes valores alarmantes, apresentar como resultado ao fim de 4 anos, apenas ter alcançado 30% dos alunos e 1% dos pais é manifestamente pouco.
A prevenção através do desporto, motivo tantas vezes apregoado para o gigantesco investimento regional nesta área, também não é coerente, se tivermos em conta que fora do âmbito escolar apenas 17% dos jovens praticam desporto devidamente acompanhado.
Assim se conclui que a prevenção tem de ser muito intensificada para poder ser eficaz.
Sr. Presidente, Sr.ª Secretária, Sr.as e Sr.s deputados,
Este relatório inicia-se com uma citação de autor desconhecido que diz “Ainda que soubesse que amanhã acabava o mundo, hoje mesmo, plantava uma laranjeira”.
Sr.s deputados, o problema da droga não se resolve com laranjas.
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