28/02/2008

O Adamastor segundo Camoes

Canto V - Os Lusiadas - Luis de Camões



Tão temerosa vinha e carregada,

Que pôs nos corações um grande medo;

Bramindo o negro mar, de longe brada

Como se desse em vão nalgum rochedo.

— "Ó Potestade, disse, sublimada!

Que ameaço divino, ou que segredo

Este clima e este mar nos apresenta,

Que mor cousa parece que tormenta?



Não acabava, quando uma figura

Se nos mostra no ar, robusta e válida,

De disforme e grandíssima estatura,

O rosto carregado, a barba esquálida,

Os olhos encovados, e a postura

Medonha e má, e a cor terrena e pálida,

Cheios de terra e crespos os cabelos,

A boca negra, os dentes amarelos.



Tão grande era de membros, que bem posso

Certificar-te, que este era o segundo

De Rodes estranhíssimo Colosso,

Que um dos sete milagres foi do mundo:

Com um tom de voz nos fala horrendo e grosso,

Que pareceu sair do mar profundo:

Arrepiam-se as carnes e o cabelo

A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo.



(Fala de Adamastor aos portugueses)



E disse: — "Ó gente ousada, mais que quantas

No mundo cometeram grandes cousas,

Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,

E por trabalhos vãos nunca repousas,

Pois os vedados términos quebrantas,

E navegar meus longos mares ousas,

Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,

Nunca arados d'estranho ou próprio lenho:



- "Pois vens ver os segredos escondidos

Da natureza e do úmido elemento,

A nenhum grande humano concedidos

De nobre ou de imortal merecimento,

Ouve os danos de mim, que apercebidos

Estão a teu sobejo atrevimento,

Por todo o largo mar e pela terra,

Que ainda hás de sojugar com dura guerra."



— "Sabe que quantas naus esta viagem

Que tu fazes, fizerem de atrevidas,

Inimiga terão esta paragem

Com ventos e tormentas desmedidas.

E da primeira armada que passagem

Fizer por estas ondas insofridas,

Eu farei d'improviso tal castigo,

Que seja mor o dano que o perigo."

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