18/06/2008

Oh nao! a Irlanda votou nao...

Os Irlandeses votaram Não e a Europa volta a reflectir pesadamente sobre o seu futuro.

Tenho muita pena que assim tenham decidido. O impasse pode ser ultrapassado ou não, mas seguramente perderemos mais uns nove a doze meses com esta situação.

Recuso-me a embarcar na onda dos que perante este resultado argumentam na incapacidade do povo para perceber as vantagens da União com o novo Tratado.

Os que votaram no referendo são os mesmos que escolhem os governos, os mesmos que escolhem o que compram no mercado, os mesmos que decidem quais programas de televisão "são bons" e quais os que "não prestam".
Não podemos dizer que as pessoas são muito habeis a escolher numas coisas e não o sabem fazer noutras...

A União Europeia alargou as suas fronteiras depressa, muito depressa. Tão depressa que até ficou difícil saber o nome de todos os países da União, quanto mais saber onde ficam no mapa, conhece-los e partilhar com eles mais soberania...

No entanto, considero que o projecto Europeu é inevitável. Ao poderio económico da Europa continua a faltar a dimensão política. Continuamos todos nós Europeus a dar mais importância às nossas pequenas paróquias nacionais e regionais do que participar verdadeiramente no projecto de integração Europeia.

Sem inimigos externos, sem projectos verdadeiramente comuns, a Europa continua a tentar manter o seu nível de vida e o seu avançado Estado Social num mundo cada vez mais precário e em mudança.
Os tempos que se avisinham não são fáceis.

Num contexto de aumento brutal do custo das matérias primas, do aumento dos transportes, da produção em massa chinesa de tudo o que o mundo necessita, que valor acrescentado introduz a Europa na cadeia de valor?
Será que a qualificação, a criatividade e a inovação chegam para sustentar o nível económico a que estamos habituados?

Vivemos tempos difíceis, mas são nos tempos difíceis que existe a predisposição para se fazerem as maiores reformas (as certas e as erradas).

Eu acredito que o Tratado de Lisboa ainda vive, mas temo que a solução acabe por ser a amputação de Estados membros...

Relembro o que disse José Socrates quando foi acordado o Tratado de Lisboa: "Nós somos uma União e numa União ninguém fica para trás".

3 comentários:

il _messaggero disse...

Discordo no ponto em que referes a incapacidade do povo não compreender este tratado...Se o próprio primeiro ministro irlandês (figura de destaque na campanha pelo sim) admitiu antes da campanha, a dificuldade em ler este tratado todo (complicado até para juristas dada a necessidade de consultar legislação e acordãos passados), julgo que teremos aqui uma boa razão...

Sondagens feitas uma semana antes indicavam que a principal razão evocada entre os que indicavam que votariam não, era a não compreensão do que representaria a aceitação deste tratado. E face a uma fraca mensagem por parte da campanha do sim em passar mensagem (às tantas preocupando-se demasiado em desconstruir a também muita demagogia criada pelos partidários do não), face à não compreensão, o eleitorado preferiu deixar as coisas na mesma e porventura negociar depois uma espécie de opting-out, tal como foi efectuado em 2001 com Nice.

Este Não, ao contrário da recusa da França e da Holanda em 2005, não foi um voto de protesto em relação ao governo local. Apenas um partido de extrema-esquerda, certos sectores conservadores da Igreja e um multimilionário estavam contra o dito tratado, isto tendo em conta o contexto corporativo da sociedade irlandesa (pese seja uma acusação muitas vezes feita aos países latinos, as pessoas tendem a não identificar esse traço na sociedade irlandesa). Por outro lado, pese a crise mundial, esta não atingiu muito a Irlanda, pelo que não poderemos apontar esta desculpa, emboora reconheça que demagogias tenham sido usadas pelos partidários do Não.

Pessoalmente sou apologista do referendo e julgo que os portugueses já deveriam ter sido consultados sobre esta matéria, mas este resultado apenas espelha um certo obstáculo que desde uns anos para cá tem sido mais frequente, havendo tendência para o seu aumento no anos vindouros, em parte devido à razão que o Duarte Gouveia aponta, da grande extensão da UE: a UE idealizada pelas elites e cúpulas decisoras, não é a mesma que é constituída pelos cidadãos comuns dos diferentes países que a compõem...

O que refiro é que pese a parte económica tenha sido bem sucedida, as pessoas esquecem-se que a ideia que norteou a criação da CEE, tinha propósitos escondidos por detrás, sendo postos de parte ainda na década de 60 com a recusa da França de De Gaulle e a assunção do Compromisso do Luxemburgo impondo a decisão por unanimidade. Este aspecto dual da Comunidade nunca foi ultrapassado na sua essência, isto porqe não existe uma verdadeira identidade europeia aos olhos do eleitor médio de cada um dos países da UE.

Pese a erosão do conceito de Estado-Nação, nota-se que os países e os povos são muito relutantes em abrir mão de certos aspectos (questões de soberania, política externa, política social, educação, etc.), constituíndo a UE por vezes um escape e uma desculpa dos estados para aplicar leis impopulares junto do eleitorado. Isso é muito visível p.e. em matérias de âmbito social (que na sua esmagadora maioria são da responsabilidade dos próprios estados), cristalizando junto do eleitor um sentimento de repulsa em relação à UE.

Pese o idealismo do projecto europeu, temos de perceber que a UE é na verdade uma construção de vários estados nacionais que na maioria das vezes não estão dispostos a abrir mão de certas particularidades em prol de um bem comum (basta pegar num tomo de direito comunitário e ver a quantidade de "opting-outs" existentes).

No entanto (e já com o comentário algo longo á semelhança do que escrevi no farpas), também continuo a acreditar no projecto europeu. Julgo é que o mesmo terá que ser realista, e creio que não será de estranhar se aparecer a fórmula "Europa a duas velocidades" à semelhança de "Uma China, dois sistemas".
Resta é saber se os problemas de coesão persistentes não se agravarão, criando uma barreira ainda maior a esta integração europeia.

P.S. A par dos graves problemas ambientais, os problemas de coesão são também um grande factor de discussão interna na China. Se esta resolver as disparidades existentes entre o seu litoral dinâmico e o seu interior algo esquecido, aliada à sua rápida aprendizagem, melhorando a qualidade dos seus produtos (recordo que o Japão efectuou o mesmo depois da IIªGuerra Mundial em apenas 25 anos, introduzindo os famosos círculos de qualidade), julgo que aí, definitivamente deveremos ter perdido o comboio pelo menos pelas próximas décadas...

Unknown disse...

Excelente mensagem!

Dizem que o tratado é intratável... Eu também não o li e não me apetece fazê-lo.

Isso não significa que não conheça as mudanças que introduz: no sistema de voto, na comissão, na representação e política externa.

Ninguem vota tratados ao pormenor, tal como ninguém vota programas de governo ao pormenor.
O Soares chegou ao extremo de dizer que "nunca tinha lido os seus programas de governo", nem precisava, porque conhecia e concordada com as linhas de orientação política que estes preconizavam...

Os Irlandeses tinham à sua frente uma proposta que visava dotar a Europa de mecanismos que a permitam funcionar de forma mais eficiente (sistema de voto) e aumentar a sua responsabilidade política perante o mundo.

Esta era a questão essencial do tratado e a essa os Irlandeses responderam Não.

Eu também acho que os Portugueses já deviam ter tido a oportunidade de se pronunciar sobre a integração europeia, mas a nossa constituição não ajuda ao exigir que a pergunta seja específica e não genérica.
Isso faz com que as perguntas tenham de ser sempre "um comboio" de palavras bem complicado...

Nos referendos parece-me existir sempre a tendência para os eleitores escolherem o que conhecem em vez de apostar na mudança.

Na minha opinião, a pergunta perfeita para um referendo seria:

"Concorda que Portugal continue na União Europeia?"

ou

"Concorda que Portugal aumente a sua integração na União Europeia?"

il _messaggero disse...

É verdade que a esmagadora maioria das pessoas nunca lê os programas de governo antes de votar (quando os há...). Daí porventura a necessidade de agilizar e tornar mais acessível esses mesmos programas, fazendo com que os mesmos sejam aceites pela maioria do eleitorado. Conforme foi visível neste caso, esta parte falhou e a mensagem do Sim não passou.

As demasiadas concessões feitas não tornam este tratado acessível a qualquer um (porventura um preço a pagar pela grande extensão de território e pela panóplia de diferentes povos existentes). Seria necessário um tratado mais simplificado e acessível, havendo vontade dos vários governos (e já agora povos) em ceder em prol do bem comum. Mas dado que não existe este tipo de identidade ou vínculo europeu que façam esses mesmos povos abdicar de certos particularismos nacionais (estes resultados comprovam em parte isso), julgo que isso não será possível num futuro assim tão próximo...

O eleitorado, seguindo uma característica tipicamente humana, é tendencialmente à mudança se não sentir nenhum imperativo para que esta aconteça. Por outro lado, tal como houve demagogia da parte do Não, houve muita pressão das cúpulas europeias em cima do Sim e esta pressão em última análise pode ter funcionado ao contrário. Pelo contrário, como não compreendiam bem as vantagens que a adopção deste novo tratado trazia, preferiram o conforto dado pelo tratado em vigor - Nice, que recorde-se só foi aceite na Irlanda depois de introduzidas algumas clausulas "opting-out" em relação ao país.

Quanto às questões que preconizavas para um possível referendo no nosso país concordo, mas por outro lado compreendo o porquê de haver tanta preocupação com as palavras usadas. Uma pergunta muito genérica poderia dar azo a desvirtuações...claro está, dependeria e muito do tipo de e como a mensagem seria transmitida durante a campanha...